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Foto do escritorEscrita Cafeína

Zoom



Quando os olhos se afastam a uns 15 centímetros do objeto, já conseguem focá-lo. Não parece vivo, tem contornos definidos, uma textura que lembra uma tela em relevo, cabe na palma da mão de um adulto, não é escorregadio e tem um cheiro que remete ao de mato molhado. Não parece algo a se temer, tampouco provoca asco ou curiosidade. É um objeto que poderia estar em qualquer lugar, no máximo iria parar no fundo do armário, ou no lixo orgânico ou talvez até seria descartado como reciclável.

Se deixamos o objeto no chão ou em cima de um móvel e damos alguns passos pra trás, é provável que se confunda o objeto com muitos outros. Não é possível ter certeza sobre suas características e sua funcionalidade. Neste ponto é capaz que o objeto seja confundido com algo importante, que possa ter sido esquecido e que pertença a alguém que realmente o queira.

Se nos afastamos o suficiente para enxergarmos ainda o objeto, quase no limite da percepção visual da sua existência, é bem possível que o objeto ganhe contornos bem definidos e preenchidos com cores e texturas pelo nosso sistema de memória. A partir desse ponto, o objeto não é nada descartável e não parece ter sido esquecido. O objeto, ao que parece dessa distância, é algo que sempre esteve lá e que possui uma funcionalidade bem clara.

Se continuamos a nos afastar até não podermos mais nos dar conta da existência do objeto pela visão, é grande a possibilidade de sentirmos seu cheiro e podermos escutá-lo.

Deste ponto em diante, qualquer mínimo afastamento já pode nos provocar diversos sentimentos, já que não se pode nem ver, nem cheirar e nem ouvir nada mais que venha do objeto.

Sobre os sentimentos provocados, frequentemente há a falta. Esta não encontra correspondência no objeto, tamanho é o afastamento, nem na forma. Também não tem nome e evoca lembranças confusas. Por isso a falta é acompanhada de angústia e as vezes de vertigem. A reaproximação em direção ao objeto pode até aumentar a confusão, intensificar a vertigem e reafirmar a falta, uma vez que já está instalada no sentir. Quando isso acontece, o objeto não pode mais ser visto, nem ouvido, nem sentido de nenhuma maneira. Com um pouco de sorte, pode ser que outro sentimento, ora mais doído, ora mais sublime, seja predominante. A ele chamamos saudade.


Flavia Ferrari

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