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Legalmente Loira x A função adverbial da "Inteligência"


Fonte da imagem: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-29006/

Conforme Castro e Castro (2001), o conceito de inteligência foi aplicado de diversas maneiras na psicologia, pois não há consenso em relação à natureza, definição e nível de análise nas pesquisas relacionadas a ele. Mas, é interessante ressaltar que uso da palavra “inteligência” desempenha uma função adverbial - quando usada no cotidiano - na qual caracteriza uma ação como bem-sucedida e realiza um resumo das ações de um indivíduo de forma geral e de suas habilidades específicas. Nesse sentido, por “sucesso” encontrar-se ligado a valores culturais, a definição de inteligência está inerente à cultura. Legalmente Loira é um filme de comédia estadunidense, lançado em 2001 e dirigido por Robert Luketic, baseado no romance de mesmo nome de Amanda Brown. A película conta a trajetória de Elle Woods (Reese Whiterspoon), uma loira genuína que tem orgulho de ser quem é e não se importa com o julgamento alheio.

Ela é a presidente da fraternidade de onde estuda e Miss Junho no calendário do campus. Além disso, planeja se casar com Warner Huntington III (Matthew Davis), por quem é perdidamente apaixonada. O cenário perfeito de Elle muda quando Warner decide romper com ela, e justifica o término por estar à procura de uma mulher séria já que está prestes a cursar Direito na Universidade de Harvard e pretende ser senador futuramente. Arrasada com o término e determinada a reconquistar o amor de sua vida, Elle decide provar sua inteligência e seriedade ao ingressar no mesmo curso e faculdade que o ex-namorado.

Em uma das primeiras cenas do filme, Elle vai em busca do vestido perfeito para o encontro com Warner. A vendedora, assim como muitos personagens do filme, enxerga Elle apenas como uma loira bonita, fútil e mimada por pais ricos. Sendo assim, na tentativa de enganar Elle, oferece um vestido da coleção passada por um preço de uma peça de lançamento. Elle, sempre com um sorriso no rosto, faz perguntas específicas, como o tipo de tecido e etc. Mas aquilo era apenas um teste, pois Elle já sabia todas as respostas e se lembrava daquela peça por tê-la visto na coleção passada. A mentira da vendedora é, então, revelada.

A inteligência de Elle e sua habilidade em fazer as perguntas certas a respeito de assuntos que tem domínio estará presente também em uma das cenas mais importantes do filme, a do julgamento de sua primeira cliente. Ao interrogar uma das testemunhas desfavoráveis à sua primeira cliente, Elle refuta o depoimento dela, no qual afirmava ter feito permanente no cabelo e ao chegar do salão, tomado banho e lavado ele - procedimento que não condiz com a primeira regra de cuidados com uma permanente. Detalhe que poderia ter passado despercebido por qualquer outro advogado, mas não por Elle Woods. Após entrar na faculdade de Direito, Elle sofre com o período de adaptação, passa por situações humilhantes, é julgada pelo seu modo de se vestir e rejeitada num grupo de estudos por não a considerarem inteligente o suficiente. Ainda assim, Elle se recusa a abandonar os seus gostos extremamente femininos a fim de ser vista como mais séria e, portanto, mais competente.

A discriminação sofrida por Elle possui raízes no histórico de dominação masculina e pela divisão sexual dos papéis sociais, espaços e trabalho (MEIRELLES, 2011). Embora a mulher tenha conquistado a inserção no mercado de trabalho, ainda há a presença da discriminação de gênero manifestada no exercício profissional, por exemplo, na atribuição às mulheres de determinadas áreas em detrimento de outras (LOMBARDI, 2006). Ocorre uma apropriação masculina do trabalho, em que se desqualifica postos anteriormente qualificados (e os feminiza), ao mesmo tempo em que qualifica postos anteriormente desqualificados (e os masculiniza) (RODRIGUES, 1994).

É nesse contexto que o habitus feminino e suas condições de realização concorrem para que a experiência feminina seja sempre a experiência universal do corpo-para-o-outro. Portanto, a experiência é constantemente exposta à objetificação operada pelo olhar e pelo discurso dos outros, estando presente nessa interação toda a estrutura social sob o formato de esquemas (BOURDIEU, 2012). O julgamento dos colegas de Elle a respeito da sua inteligência é fruto dessa interação.

Apesar de tudo, graças a sua ótima inteligência emocional Elle consegue superar os transtornos do início de sua vida acadêmica, faz amigos como Emmett Richmond (Luke Wilson) e é aceita no estágio de um dos professores mais respeitados da universidade. Aqui, vale explanar um pouco sobre o conceito de inteligência emocional (IE) que foi formalizado por Peter Salovey e John Mayer. Ambos acreditavam que a emoção nos faz pensar mais inteligentemente ao mesmo tempo que pensamos inteligentemente a respeito das emoções (NETA; GARCÍA; GARGALLO, 2008). Nesse sentido, segundo Goleman (2012), elaboraram uma definição de inteligência emocional em cinco domínios principais: conhecer as próprias emoções; lidar com emoções; motivar-se; reconhecer emoções nos outros;e, lidar com relacionamentos.

Em suma, é notória a dominação masculina por meio da divisão sexual dos papéis sociais, do espaço e do trabalho e a objetificação do olhar presente na discriminação sofrida por Elle. Assim como, a inteligência emocional apresentada por ela nos desafios encontrados ao longo de sua trajetória. Ademais, percebe-se a reflexão interessante que o filme proporciona em relação à quebra de estereótipos ilustrada pela personagem Elle.

Por Érika Araújo

REFERÊNCIAS

GOLEMAN, Daniel. Inteligência Emocional: a teoria revolucionária do que é ser inteligente. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.

BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. Tradução: Maria Helena Kühner.

CASTRO, Karina M. Oliveira. A Função Adverbial de “Inteligência”: Definições e Usos em Psicologia. Psicologia : Teoria e Pesquisa, Brasília, v. 17, n. 3, p.257-264, dez. 2001. Quadrimestral. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-37722001000300008&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 22 jan. 2020.

LEGALMENTE Loira. Direção de Robert Luketic. Estados Unidos: Marc Platt, 2001. (96 min.), son., color.

LOMBARDI, Maria Rosa. Engenheira & gerente: desafios enfrentados por mulheres em posições de comando na área tecnológica. Tecnologia e Sociedade , Curitiba, v. 2, n. 3, dez. 2006. Trimestral. Disponível em: <https://periodicos.utfpr.edu.br/rts/article/view/2485>. Acesso em: 22 jan. 2020.

MEIRELLES, Renata. Da memória para a história: experiências e expectativas de mulheres subversivas na ditadura militar. Prisma Jurídico , São Paulo, v. 10, n. 1, p.111-134, 2011. Semestral. Disponível em: https://periodicos.uninove.br/index.php?journal=prisma&page=article&op=view&path%5B%5D=2804&path%5B%5D=1974. Acesso em: 22 jan. 2020.

NETA, Nair Floresta Andrade; GARCÍA, Emilio García; GARGALLO, Isabel Santos. A inteligência emocional no âmbito acadêmico: uma aproximação teórica e empírica. Psicologia Argumento , Curitiba, v. 26, n. 52, p.11-22, mar. 2008. Trimestral. Disponível em: https://biblat.unam.mx/pt/revista/psicologia-argumento/articulo/a-inteligencia-emocional-no-ambito-academico-uma-aproximacao-teorica-e-empirica. Acesso em: 22 jan.

2020.

RODRIGUES, Arakey Martins. O ouro no trabalho: A mulher na indústria. Psicologia Usp , São Paulo, v. 5, n. 1-2, p.221-244, jan. 1944. Quadrimestral. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/psicousp/article/view/34499. Acesso em: 22 jan. 2020.

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