top of page

O favor




Mariana era mulher boa, equilibrada e silenciosa. Quando Fernando a conheceu, deu graças a Deus!

— Encontrei a mulher certa — Falou para os amigos do bar.

— Isso aí? Aff! Não dura um mês, Nandinho. Você? Com mulher fixa? Sem bater ponto no bar? Tô pra ver …

— Pois você, meu caro, verá! Essa mulher mexeu comigo. Olhe! olhe bem. — Estendeu o celular na fuça do colega — Nenhuma ligação, nenhuminha! Ela me deixa ser quem eu sou um ...

— Bêbado e mulherengo?

— Não, palhaço! um homem F-E-L-I-Z, feliz, ela aceita meu jeito.

E aceitava mesmo. Mariana era trabalhadora, lecionava durante as manhãs, à tarde tinha alunos particulares e à noite fazia um curso de pós-graduação. De modo que não tinha muito tempo para ficar no encalço de Fernando, como muitas das mulheres que ele se relacionava. Talvez por esse motivo, ela mexera com ele. Quando começou a sair com o rapaz, as amigas alertaram:

— Mari, mulher, tu toma cuidado com esse homem, ele não é flor que se cheire não. Olhe que ele tem uma fama de mulherengo que não alcança nenhum outro por aqui, viu?

— Eu acredito na força do amor, minhas amigas — Respondia ela, apaixonada.

E o namoro continuou. Seis meses depois, estavam Mariana e Fernando casados. A vida parecia ótima; porém, tudo mudou quando o rapaz foi demitido do trabalho. Mari, como tinha dois empregos, passou a acolher todos os pagamentos da casa, enquanto Fernando procurava um novo afazer. Nas primeiras semanas, o marido saiu a distribuir currículos todos os dias; porém, ao final de duas semanas, o bar o atraía como um ímã, no que ele sem parcimônia atendia. A princípio, a passagem pelos botecos era somente ao final do dia, mas, com o tempo, Fernando se estendia nas conversas, na cachaça e principalmente nos encontros furtivos.

Mariana, por sua vez, repetia para si:

— Amor é tudo! E a paciência faz um relacionamento.

Sete meses se passaram. Fernando, além de não encontrar trabalho, não procurava mais. Saía todos os dias, é verdade, mas para beber com os amigos. Mariana, por sua vez, dobrara sua carga horária no colégio, a fim de pagar todas as contas extras. Às vezes, tinha vontade de reclamar com o esposo, mas quando o olhava, não encontrava meio. Com isso, ela parou de comprar livros, tomar seu café de todas as quartas com as amigas, fazer suas unhas semanalmente e tirou seu megahair, pois custava muito dinheiro e era uma vaidade boba! Era preciso economizar cada centavo. Afinal, os casados precisam se ajudar nos momentos difíceis, e o mais importante agora era investir em seu marido, seu relacionamento, seu amor.

— Pobrezinho! É um bom homem, só não está tendo oportunidade — Repetia para si, tentando não sentir o cheiro de cachaça que ele carregava no corpo ao entrar em casa.

A vida a dois ficou ainda mais insustentável quando, em um lavar de roupas, Mariana encontrou um pincel de maquiagem usado no bolso da calça do marido. A princípio, ela ficou petrificada; em seguida, tentou se convencer de que aquele pequeno pincel que ela jamais tinha visto na vida era dela. Angustiada, procurou o marido. Logo no início da conversa, Fernando se jogou no chão, agarrou-se em suas pernas chorando e jurou nunca ter visto tal objeto.

— Emprestei essa calça a meu irmão, deve ter saído de lá essa porcaria, confia em mim, você é minha preciosidade. Eu juro por minha mãe morta, juro! Juro!

Ela não tocou mais no assunto, resignou-se e continuou seus trabalhos. Chegava em casa cansada, com olheiras e uma bronquite constante, fruto do vício em cigarros do marido. Tomava banho e sentava para corrigir as provas dos alunos, muitas vezes deitava para dormir sem a presença de Fernando, que se mantinha nos bares.

Num raro dia em que o marido resolveu chegar em casa cedo, deitaram na cama, ele no celular, não trocou uma única palavra com ela. Mais tarde, observou ele levantando sorrateiramente no meio da madrugada com o celular na mão, foi até o banheiro respondeu para alguém e voltou para cama com um sorriso malicioso nos lábios. Nessa mesma semana, ela, em outro lavar de roupas, encontrou uma unha postiça no bolso da calça do marido. Respirou fundo, chorou alguns minutos, um choro seco e profundo, guardou a unha em um potinho de vidro e aguardou o marido dormir. Depois de beber algumas caipirinhas, ele deitou. Ela levantou e pegou o celular dele. A princípio se sentiu um pouco culpada. Ficou olhando para o aparelho sem coragem de desbloqueá-lo. Respirou fundo e disse para si:

— Chega Mari, passou da hora de você ver e crer!

E viu mesmo. Várias fotos do marido com outra mulher, mensagens eróticas e conversas descrevendo noites de sexo e cenas promíscuas. Mariana, porém observou que não havia apenas uma, mas eram várias mulheres com quem o marido mantinha contato. Contudo, havia a regularidade de uma delas. Procurou nas redes sociais e encontro: branca, esguia, advogada, com um filhinho, divorciada, gaúcha e moradora do mesmo bairro da família do marido. Era o que o perfil da moça declarava. Um ódio profundo abraçou Mariana. Recordou de todos os domingos em que ele saia pela manhã perfumado, aliás, como ele nunca fazia para sair com ela, e dizia que iria visitar a família. Lembrou também do dia que foi a sua médica e a ginecologista disse:

— Mariana, você está com o útero comprometido. É provável que não poderá ter filhos.

Na mesma hora, com o coração apertado, enviou um áudio ao marido.

— Amor, estou no hospital vou fazer uma bateria de exames. Estou com medo e muito nervosa … talvez não possamos ter filhos.

Em menos de dez minutos, recebeu cinco áudios do marido contando o quanto ele também estava triste, pois havia acabado de sair do mecânico e sua moto não teria mais conserto. Além disso, ele precisava de mais dinheiro pois achava que teria que comprar um carro.

Interrompeu as lembranças, respirou fundo, largou o celular e foi ao banheiro, tirou a roupa e tomou um banho quente para chorar tudo o que não poderia no quarto. Voltou e deitou ao lado de Fernando sentindo nojo dele e de si. Desejava não o amar tanto assim, não desejá-lo, não querer um filho, nem uma família com ele. Mas queria, Essa era a verdade. E naquela mistura de amor e ódio dormiu com uma ideia fixa na cabeça.

No outro dia, como se nada tivesse acontecido, foi ao trabalho. Na volta para casa, sentou-se no sofá e disse a Fernando:

— Nando, precisamos conversar. Podes sentar aqui ao meu lado, por favor.

— Claro. — Respondeu com ar desconfiado.

— Então, amor, tenho uma coisa para te dizer.

— O que foi? Tá tudo bem com você? — Falou com os olhos arregalados.

— Nada, meu filho. Só queria te dizer que no final de semana vou a um congresso fora da cidade e queria saber se você ficaria confortável sozinho em casa.

— Ah! Era isso? Mas que pergunta, claro meu amor, vá tranquila!

— Que bom! E não se preocupe, sim, que o colégio pagará todas as minhas despesas!

— Ah! Que bom!

— Vais precisar de dinheiro?

— Se puderes me deixar algum para tomar uma cervejinha, tá tudo certo!

— Claro que sim!

No sábado pela manhã, saiu Mariana com uma pequena mala de poucas roupas para o tal congresso. Deu uma volta na cidade, foi ao calçadão, tomou um sorvete enquanto olhava as pessoas a passear na beira da praia. Entrou em uma livraria, respirou profundamente, sentiu o cheiro dos livros novos e exclamou:

— Ah! Que saudades! Quanto tempo ...

À tardinha, voltou para casa, parou em uma árvore em frente ao prédio e ficou à espreita. Às 22:30, parou um carro, desceu uma mulher elegante, esguia, tez branca, cabelo na altura do ombro, liso e bem tratado, vestido esvoaçante. Percebeu algo de familiar nas feições dela e erguendo-se, teve certeza, era a mesma das conversas no celular do marido.

Aguardou alguns instantes e subiu. Esperou cerca de quarenta minutos ao lado da porta e enfiou a chave na fechadura lentamente, abriu e entrou sem ser notada, seguiu até o quarto e encontrou os dois amantes deitados nus, ainda suados, lado a lado. Ficou ali, sem balbuciar palavra alguma, totalmente petrificada, o coração batia em sua garganta, porém a voz não saia. O marido, em um relance de olhar, percebeu seu vulto e saltou da cama em choque.

— O que você faz aqui, Mariana?

Ela, como se tivesse acordado de um pesadelo, bradou o mais alto urro que se pôde ouvir. Seguiu para a cozinha e pegou uma faca. Fernando, tentando se proteger correu para trás da amante, enquanto Mariana gritava:

— EU MATO VOCÊS DOIS, EU MATO!

O marido, em um impulso, enrolou-se nos lençóis de cama, agarrou a amante e saltou para fora do apartamento.

Mariana, fechou a porta com os olhos cheios de lágrimas. Passou pela pia, jogou a faca. Lavou o rosto. Tirou um champagne que tinha escondido no fundo da dispensa, abriu, serviu-se. Sentou em sua confortável cadeira na varanda do prédio. Respirou fundo, sem sentir cheiro de cigarro.

— Obrigada, Daiane, pelo favor prestado, agora o problema é seu, sua besta!

Pegou o potinho com a unha postiça, olhou pela última vez, mirou, atirou para fora da janela e sorriu, como há muito tempo não fazia.


Rose Rabelo

Instagram: @roserabelo07

Posts recentes

Ver tudo

Dona Neuza

Deixe seu comentário:
bottom of page