Acordei às quatro da manhã com um estrondo, seria um corpo que encontrou o chão ou vários corpos estatelados após queda? Talvez inúmeros corpos caídos como se Trump tivesse finalmente apertado o botão, mas aí não teríamos sequer um mundo para cair. Afinal, que estrondo era esse?
Gritos humanos rasgavam a madrugada e um grito em particular invadiu todas as realidades: uma mulher apanhava. Agora uma voz masculina-mente inumana tentava convencer que tudo estava muito bem, mas como estaria tudo bem se o olho esquerdo da minha vizinha se fechava em roxo ao mesmo tempo em que duas costelas se quebravam?
“Não foi nada” e já era tudo, o cheiro de sangue chegava ao oitavo andar. Liguei para a polícia, me pediram o endereço e número do apartamento, só conseguia dizer “Brasil”, no que me respondiam:
-É na Av. Brasil?
-É no Brasil!
-Senhora, preciso do endereço!
-É no Brasil porra, é no Brasil inteiro!
E foi assim que a linha caiu e o silêncio voltou a reinar.
Quando acordei com a sensação de um pesadelo, o celular piscava com inúmeras mensagens de WhatsApp vindas do grupo de moradores do meu condomínio, só prestei atenção na última.
Senhores, é com imenso pesar que comunico o falecimento da minha esposa Joana, a qual sofreu um acidente doméstico e veio a falecer no dia de hoje às 9h horas da manhã. O velório será no cemitério da Consolação a partir das 13h.
Era Maurício do apto 31, sempre tão afável e recém ingresso na polícia militar, vizinho muito querido no prédio. E essa é a psico-história oficial do novo oficial da cidade de São Paulo:
Joana tinha caído e batido a cabeça na privada. Ela morreu aos vinte e oito anos de idade em um tropeço doméstico, justamente na noite em que acabara de completar oito meses de gestação.
Vandia Leal
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