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Varal de máscaras



Pelo varal de máscaras que se amontoam esticadas à beira das janelas de esperas incontáveis, estamos todos em suspensão. Entre tantos fios, hastes e nós, transitamos. Buscando, na maioria das vezes em vão, pedaços de um tempo adormecido. Esperamos enfileirados e expostos que o sol venha aos poucos secar as lágrimas que escorrem no esvaziar das horas, em relógios estáticos por todos que se perderam. Estamos todos repetitivamente em retornos. Reinventamos progressivamente uma noção de tempo baseada em refeições, nessa boca-relógio que se enche compulsivamente, descobrimos a infinitude dos minutos que flutuam. Lá fora, os gatos de rua se apossam do paralelepípedo em rixas que quebram, ocasionalmente, a monotonia dos vidros entreabertos. Observamo-nos de longe em proximidades visuais e empáticas que acalentam, mas também desesperam. Tentamos na imobilidade alcançar as curvas de ventos que se recusam a nos visitar. Os únicos transeuntes inconvenientes são os insetos, que continuam indesejados, mas que nos distraem nos irritando. Encharcamo-nos em banhos de sol e mormaços, abafados em caixas a pairar no ar. Acumulamos a saliva das palavras contidas e acumuladas na umidade, bloqueadas por barreiras sucessivas de proteção e camadas exigentes de paranoia. Nessa brisa que nos rejeita, desejamos secretamente o diluir das faces e a tormenta que nos leve a todo lugar. E se nos resta a missão de encobrir sem asfixia, acostumamo-nos com as duas caras que criamos, aquela que não existe e aquela que não está à mostra, encenamos assim em um teatro de anônimos olhares, buscando cegamente as centelhas de consenso, esquivando-nos da nudez facial obscena. Respiramos em resistência às anomias e às imundícies, sob os tecidos e elásticos que nos cabem, nos amarram e nos denunciam. E já nem sentimos o atrito da pele, outrora máscara original, tornamo-nos naturais por força da rotina, dormências. Disfarçamos a realidade com uma estética multicolor e pluripatética para negar os horrores e as hipocrisias da contaminação. E não importa o grau de inocuidade, continuamos a sustentar qualquer coisa expectante, cheirando a hipoclorito e qualquer essência perfumada que impregna e perdura. Cada vez mais, observando em câmera lenta, assistindo em apatia ao barulho das panelas, aos chiados da geladeira e ao conta-gotas da torneira a vazar, lentamente. Nesse varal em que nos agarramos também pela falta de certezas, alucinamos maresia e o som da espuma das ondas que findam nos pés molhados de sal. Deliramos o gosto dos encontros ao acaso, em todo caso, necessários, e agora, proibidos por assepsia. Suspiramos em miragens, bocas entre bocas e o estalar dos lábios macios. Somos muitos, em paisagens melancólicas e exibicionistas, a secar o suor de lutos mal lavados. Em molduras ao relento, contemplamos a solidão em dobras, ouvindo as melodias lunares e esperando com afinco pelas vidas que hão de se desprender e pela hora final dos desmascaramentos.


Carine Mendes

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