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A metafísica das jabuticabas



Quando o ano já se encaminha para um desfecho, é tempo de jabuticabas. Tempo de caçar potes apenas pelo prazer de enchê-los com a fartura negra que desprende dos troncos.... Ah, jabuticabas! Já pensaste, leitor, quanta beleza há escondida nas jabuticabas? Não digo apenas a beleza sensível a qualquer olhar. Digo a beleza das verdades ocultas nas jabuticabas.

Calma, leitor, não estou fazendo pseudociência sobre uma verdade empírica. Estou apenas propondo uma metafísica das jabuticabas. Comecemos pela jabuticabeira. Árvore feia, troncos tortuosos, folhinhas pequenas, sensíveis a qualquer brisa. E mesmo assim, ao menor sinal vernal, transforma-se em um mundo de flores brancas e frutifica. Admita, leitor: A jabuticabeira é a prova empírica de que qualquer galho torto pode ser tocado pela primavera. E pode se endireitar, por caminhos mais frutíferos e belos. Eu sei bem que em tempos tão áridos, a primavera tarda, e às vezes chega sem força e sem alarde. Mas a jabuticabeira, como um anjo torto, “casca-se” e descasca-se, reinventa-se até a estiagem lhe fazer uma flor.

Falando em flor, há algo mais significativo do que flor de jabuticabeira? Pálida, sua cor não se percebe. Frágil, suas pétalas não se abrem. Uma flor feia, mas é uma flor. Seu perfume paralisa os negócios, adocica a rotina, rompe a triste concretude das cidades. É um verdadeiro sinal de esperança em um mundo cerrado. Aquela esperança que surge de onde se menos espera, entre um ou outro galho torto da existência. Eu sei, leitor, minha esperança, por não ser uma rosa, pode lhe parecer ridícula. Mas saiba que de esperança dada não se olha a nobreza. Minha florzinha tímida, quase sem beleza, é também esperança de que um dia aprenderemos a ver encantos além da estética óbvia.

Falemos da jabuticaba. Pequenina, ela parece compensar sua insignificância com um sabor imenso. E isso me faz pensar, leitor, que nesse vastíssimo mundo nenhuma pequenez passa despercebida. Qualquer fruto dessa terra, por menor que seja, é capaz de fertilizar o mundo, dar-lhe mais sabor, mais cor, mais sentido. E também mais união. Afinal, jabuticabas sozinhas não fazem peso no chão, é preciso que se acumulem em cachos para encher os baldes e sacolas. E tal união não gera apenas força, mas também notoriedade. Jabuticabas sozinhas marcam o chão com pontos que sucumbem à menor chuva de primavera, mas unidas deixam marcas perenes, sinalizando eternamente que ali, um dia, houve uma jabuticabeira. Penso, leitor, que em tempos tão individualistas temos muito o que aprender com as jabuticabas.

Outra coisa que me encanta nelas é a cor escura. Jabuticabas são a maior prova de que a escuridão também pode ser doce se você resolver aceitar o desafio de degusta-la. É claro, não é totalmente doce, às vezes é um pouco azeda, às vezes é um verdadeiro mel... e para degustar, é preciso engolir muitos caroços. Assim também é a vida, leitor, um caroço atrás do outro para se engolir, uma sucessão eterna de azedos e doces, uma escuridão saborosa... ou talvez, simplesmente, uma pequena surpresa a cada tentativa. Pudéramos, leitor, viver a vida de maneira agridoce e simples como saborear jabuticabas.

Por fim, a lição mais bonita que aprendi colhendo jabuticabas: Não é possível tê-las! Os galhos fartos de frutos despertam a ganância, mas ao menor toque dos palmos abertos todas as pencas se dissolvem, as frutinhas escorregam pelos dedos, uma ou outra permanece em nossas mãos. Não adianta insistir, não adianta usar baldes, você nunca vai conseguir colher todos os frutos. Assim é a vida, leitor, escorrega por nossos dedos a todo momento, deixa-nos poucos frutos nas mãos. Apenas os necessários. Em tempos de eterna cobiça, quão leve seria a vida se aprendêssemos com a jabuticabas! Certamente colheríamos bons – e mais significativos - frutos.


Amélia Greier

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