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A relação entre atenção e sobrevivência no filme "Um lugar silencioso"


Fonte da imagem: https://popcultura.com.br/2018/04/05/estreias-filmes-em-cartaz-58/

Não demorei mais do que dez minutos para ter a certeza de que fiz a melhor escolha

possível ao optar por Um Lugar Silencioso (2018) para produzir uma resenha sobre a atenção,

processo psicológico tão importante. Todo o roteiro da trama está atravessado pela

importância da atenção para a sobrevivência de dois adultos e seus filhos em um mundo

pós-apocalíptico, no qual criaturas perigosas te encontram e matam caso você faça barulho.

Mais do que isso, também percebi essa função cognitiva atuando em mim durante toda a

trama, visto que muitos são as razões que a obra nos dá para não querer desgrudar os olhos da tela.

Em primeiro lugar, além de contar com ótimas atuações e roteiro, o filme trabalha

bastante com os sons, enfatizando a relevância deste estímulo tanto em sua presença quanto

em sua ausência. Assisti me sentindo aflita o tempo inteiro, porque se por um lado o silêncio,

muito frequente na trama, tem o potencial de despertar tal reação em mim, por outro, ouvir

qualquer som no filme significava a possibilidade de isso desencadear problemas aos

personagens. Não havia, portanto, alternativa, a experiência foi recheada de tensão por todos

os lados. O constante clima de perigo fez com que eu imergisse na história e me sentisse, em

certa medida, ameaçada também. Foi impossível não me questionar sobre o que faria se

estivesse em tal situação e é engraçado perceber que procurei não fazer barulho, tamanha a

capacidade de contágio da atmosfera do filme. Devido a essa periculosidade constante, me

peguei envolvida com o drama dos personagens, torcendo para eles e avaliando o ambiente a todo o momento, como se isso fosse uma atitude de prevenção importante para mim também.

Muitos foram os conflitos nos quais me vi presa, porque julguei algumas atitudes deles

e não conseguia ter ideia de como agiria estando naquele lugar. Qual a forma possível, afinal,

de resistir em um ambiente no qual qualquer barulho pode significar sua morte? Lançados em

um mundo pós-apocalíptico que guarda semelhanças com nosso passado mais remoto, no qual a sobrevivência era o maior objetivo dos hominídeos, os personagens viam-se tentando aliar suas emoções mais primitivas com a alta necessidade de inteligência. Toda atitude precisava ser meticulosamente calculada – isso me faz pensar na importância da competência emocional para o desafio que enfrentavam.

Falar de sobrevivência me remeteu a um estudo organizado pela Universidade do

Colorado, nos Estados Unidos. O objetivo do trabalho foi relacionar os comportamentos de

procrastinação e impulsividade a materiais genéticos que temos até hoje e atuam a favor da

sobrevivência humana. De acordo com os resultados de Gustavson el tal (2014), nossos

antepassados precisavam da habilidade de modificar os planos de caçada quando notavam que estavam em perigo. Isso exigia deles a capacidade de ir de uma tarefa a outra rapidamente mediante estímulos coletados do meio. Para mim, tais resultados estão totalmente relacionados à atenção, visto que, segundo enfatiza Lima (2005) ela se refere ao atributo de selecionar do ambiente alguns estímulos em detrimento de outros. No período cenozoico supracitado, fica evidente a relevância, sobretudo, da atenção sustentada e da alternada; no que se refere a primeira, Simões (2014, p. 324) define como um “estado de preparação para detectar e responder a determinadas mudanças no ambiente”, enquanto a segunda se trata da “capacidade do indivíduo mudar o foco de atenção” (2014, p. 324). Creio que a detecção do estímulo perigoso dependia, no mínimo, dessas duas modalidades.

Retornando ao filme, um paralelo pode ser construído entre sua realidade e a de

milhões de anos atrás, à medida que, assim como os antigos hominídeos, os protagonistas

precisavam se adaptar a um ambiente no qual não eram as criaturas mais poderosas e

poderiam facilmente se tornar caça. Portanto, eles precisavam ter a habilidade de mudar o

planejamento assim que surgisse qualquer menção a perigo. Nesse sentido, segundo a pesquisa de Gustavson et al (2014), se os personagens conseguiram sobreviver durante mais

de 400 dias nessas condições difíceis, uma das razões pode ser a herança genética que foi

repassada ao longo dos anos.

Outro tópico referente à atenção que ressalto é a distinção entre atenção involuntária e voluntária, nomenclaturas trazidas por Tanaka (2007). No contexto do filme, observou-se a frequência com a qual os personagens buscavam manter a segunda, tendo em vista que ela nos permite fazer uma escolha do objeto a que nos voltaremos (TANAKA, 2007); isso era importante, porque os personagens tinham noção de que qualquer distração poderia ser fatal. A cena em que os filhos deles, durante brincadeira, deixam a lamparina cair e isso os deixa em estado de tensão demonstra como cada pequena atitude, quando não planejada, poderia ser perigosa. Quando escolhiam um objeto no qual concentrar-se, portanto, focalizavam-no em detrimento dos outros e demonstravam direcionar para ele grande parte da energia a partir da qual o sistema nervoso trabalha. Lima ressalta haver, de fato, uma “vantagem no desempenho de tarefas quando estas são processadas de maneira sequencial” (2005, p. 115), ou seja, uma de cada vez, tal qual eles buscavam viver.

A involuntária, por outro lado, apareceu em diversos momentos também, inclusive

através do comportamento dos vilões do filme, pois as criaturas, que eram cegas, só

conseguiam detectar a presença de outros seres por meio da audição. Ao ouvir os ruídos,

imediatamente seguiam-no, sem precisar de escolha consciente para tal; eram atraídos pela

característica do estímulo. O que as faziam escolher um em detrimento de outro era a

percepção de qual era mais intenso, além do fator novidade. Tudo isso se refere a

características da atenção involuntária (MACAR, 2001; BRASIL, 1984 apud LIMA, 2005).

O filme tem tanto potencial para o estudo da temática em questão que até a análise

mais detalhada de apenas uma cena específica permite a verificação de várias modalidades de atenção. Por exemplo, ainda na cena da lamparina, assim que o pai começou a aguçar a

audição e vasculhar o ambiente após o equívoco de seus filhos, observamos a sondagem

entrando em ação, à medida que estava na “procura ativa por um determinado estímulo”

(SIMÕES, 2014, p. 324); a atenção sustentada se observou no mesmo fragmento. No

momento em que dois animais caíram do telhado do lado de fora, provocando ruídos, a

atenção involuntária fez sua aparição, pois o pai instintivamente moveu a cabeça na direção

do barulho. Outro tipo de atenção passível de ser apontada nessa cena é a conjunta,

caracterizada pelo “ajuste do olhar em uma direção, em resposta aos deslocamentos do olhar

do outro com quem interage” (SIMÕES, 2014, p. 324); observei-a devido ao fato de a família

ter seguido a ação do pai assim que ele realizou-a.

A atenção é importante também para outros processos psicológicos, conforme trazido

por Simões (2014). Analisei no filme, sobretudo, a importância do aprendizado, visto que os

personagens precisaram deixar um estilo de vida considerado normal para nossos padrões e

embarcar em outro totalmente diferente, cujo objetivo primordial era a sobrevivência. Tal

modificação de padrões exigiu que aprendessem a aguçar os sentidos, especialmente audição – ou a visão, no caso da personagem deficiente auditiva – acima do que necessitavam anteriormente, além de terem que aprender de que maneira poderiam realizar funções provocando o mínimo possível de ruído. Nessa relação com a aprendizagem, a atenção está envolvida no processo de integração de seleção, integração e relação de ideias (Kintsch, 1998 apud SIMÕES, 2014); quanto maior a presença dela, mais o aprendizado se faz possível.

Por fim, outro aspecto que considero relevante mencionar é a relação discutida por

Davidoff e Cortese, segundo Lima (2005), entre atenção, motivação, contexto e estados

emocionais. Segundo tais autores, os últimos quatro termos citados são fatores que interferem no desempenho da função cognitiva em foco na resenha, ou seja, têm o potencial de atrapalhar ou auxiliar o desempenho. Nesse sentido, refleti principalmente acerca da constante carga de estresse colocada nos protagonistas, sobretudo nos filhos do casal; enfatizo, nesse ponto, a adolescente que tinha deficiência auditiva e se sentia culpada pela morte do irmão mais novo, evento que aconteceu ainda no início do filme. Acredito que viver com tal sentimento, além de contar com um sentido a menos – o que pelo menos em duas cenas a deixou vulnerável, visto que ela não conseguia, incialmente, perceber quando alguma criatura aproximava-se longe do campo de visão dela – atrapalhou o desempenho de sua atenção.

Enfim, assistir o filme foi uma perfeita possibilidade de ver em ação quão complexo é

o processo psicológico da atenção, que pode se manifestar de diversas formas concomitantes, a depender da função que vem a ocupar no comportamento. A experiência só serviu para comprovar a importância dessa função para a sobrevivência humana e para a execução das outras atividades cognitivas.


Júlia Carvalho



Referências


GUSTAVSON, D.E et al. Genetic Relations Among Procrastination, Impulsivity, and

Goal-Management Ability: Implications for the Evolutionary Origin of Procrastination.

United States: Psychological Science, vol 25, issue 6, 2014. p. 1178-1188. Disponível em: <

https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0956797614526260 >. Acesso em: 31 jul 2019

LIMA, R.F. Compreendendo os mecanismos atencionais. São Paulo: Ciências & Cognição,

v. 6, 2005. p. 113-122.


SIMÕES, P. M. U. Análise de Estudos sobre Atenção Publicados em Periódicos

Brasileiros. São Paulo: Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar

e Educacional, vol. 18, n. 2, 2014. p. 321-330.


TANAKA, P.J. Atenção: reflexão sobre tipologias, desenvolvimento e seus estados

patológicos sob o olhar psicopedagógico. Trabalho do curso de Formação em

Psicopedagogia, disciplina Problemas de Aprendizagem. São Paulo: Instituto Sedes

Sapientiae, 2007.

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