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Dunas



Entre as pequenas dunas as gaivotas começam a chegar em mais um fim de tarde. Como pétalas brancas jogadas ao vento, cruzam o ar em voos rasantes, planando sobre a areia e pousando na espuma que fica, da onda que vai. Na extremidade oposta, na ponta esquerda da praia, o pequeno forte desponta no alto das pedras, sob um céu límpido azul. Com suas nadadeiras marcando a areia molhada, as gaivotas parecem saber que esse pedaço de paraíso é delas. Ciscando ali e aqui, metem o bico amarelo na água gelada em busca de alimento. O mar, ora azul, ora verde, cada vez mais vai adentrando a faixa de areia, predizendo que a noite se aproxima.

Ali também está o casal, deitados e olhando o céu. A mulher brinca com um punhado da areia branca e fina, deixando-a escorrer entre os dedos. Imagina uma ampulheta, onde rapidamente os minutos passam para o compartimento de baixo. Como gostaria que o tempo parasse, só por um breve instante! Com a outra mão, busca o homem ao seu lado. Ela vira a cabeça, fitando seu perfil. Ele tem no semblante um ar pueril, algo que a encanta. Não o conhece além de poucas horas apenas. Tão pouco, mas o bastante para amá-lo. Sim, não é necessária uma vida para amar, tinha descoberto isso hoje. Seu coração se aperta ao vê-lo assim tão perto. Logo estariam longe, como sempre estiveram. Tem vontade de beijá-lo mais uma vez, se aninhar ao corpo dele, sussurrar em seu ouvido que não quer perdê-lo. Subitamente, ele pega a pequena câmera e aponta para o céu. Quer fotografar as gaivotas por outro ângulo.

— Assim por baixo é mais legal. O que acha?

Ficam observando as aves, ele clicando uma vez após a outra, tentando acompanhar a rapidez com que voam. Ela não se atreve interromper. Há sete horas tinham se conhecido. Com os guarda-sol próximos, foi fácil começar uma conversa. De início ele perguntou:

— Sabe porque essas águas têm esse tom azul-turquesa?

Uma simples pergunta que ela poderia ter demonstrado pouco interesse. Mas não. Ficou ouvindo com prazer o rapaz explicar sobre a ressurgência e o efeito do reflexo da luz do sol na água. Ele era dali mesmo. Ela, uma turista em seu último dia de viagem. Mais tarde, ele convidou-a a andar até as dunas onde a praia ficava deserta, sem aglomeração de pessoas e barraquinhas.

— Olha essa como ficou bacana — ele a lembra do presente, mostrando a foto.

Guarda a câmera no bolso da bermuda e vira de lado. Estica o braço e com o dedo indicador desliza lentamente pela testa dela, nariz e lábios, desenhando seu perfil no ar. Ela sente um leve tremor por dentro. Sorri. Ele pega seu rosto, virando-o para ele. Beijam-se demoradamente e então, sem que nenhuma palavra fosse necessária, desaguam seus anseios num canto do fundo infinito da praia, como se há muito se conhecessem e se amassem. Em meio ao revoar incessante, afundam-se na areia macia, buscando entre os grãos a paz perdida e brevemente reencontrada. Ficam longos minutos deitados lado a lado com as pernas entrelaçadas, ela com a mão pousada no peito dele. Em seguida ele a puxa e vão para o mar. Brincam como crianças sem se importarem com o céu unindo-se ao mar, a areia escoando pela ampulheta e tampouco com a tarde que vai sumindo num dia de verão.

Ao se despedirem, ela comenta o quão pouco sabem um do outro.

— Melhor assim. As histórias que não contamos são as mais interessantes — ele respondeu.

Abraçam-se no último beijo. Nada mais a dizer, nenhuma promessa a cumprir, porém, muito o que lembrar e nenhum pesar por se arrepender. No olhar que trocam, a despedida inadiável. Nas pegadas na areia, os caminhos opostos

de cada um.

Ao deixar a cidade, ela não somente dava adeus àquele lugar, mas também a um amor consumado na areia fina e compartilhado com as gaivotas. Em seu último olhar para a praia, pareceu-lhe vê-la ainda mais bela sob a primeira luz da manhã dourando a areia molhada. Fecha os olhos pensando nas dunas. Somente elas sabem, somente elas viram que o amor fora seu apenas por algumas horas, algo que, na verdade, já pertencia àquela praia e seu mar azul-turquesa, muito antes de se encontrarem. E ali permaneceria.


Lígia Donega

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