A cidade abriu-me sua graça
Em sorriso amarelo e antigo
De avó que fumava cachimbo
Bafejando café esfumado
Eu sentei em seu colo enrugado
Para ler em um largo abraço
Pergaminho de rugas sagradas,
Epitélio de mica e quartzo
Que a capa do fóssil estranho
Encobriu com o breu enfadonho
De carbono frustrado que nunca
Há de ser outra forma que sonha
De discípulo fiz-me escriba
E de escriba tornei-me ancião
Que sentava nas encruzilhadas
Restaurando as esquinas da vida.
II
Uma casa em ruínas
Em si, traz a sina
De finada história
Ser memória e túmulo
Casa deteriorada
Dente, é, cariado
Que lateja passado
De alicerce profundo
— Arranca
— Não
— Restaura
— Restaura?!
— Pra quê?
— Sai caro
— Derruba
— É crime
— Deixe estar
— Cai só
Casa sem gente
É dente enfermiço
Que já não recebe
Sustância vital
Coroa exangue
Sem nervos e sangue
De esmalte amarelo
Trincado e rachado
— É morto o dono.
Dos tristes destroços
Do seu abandono
Pegai os despojos
III
O sorriso da Cidade precisava iluminar-se
E livrar-se do opaco amarelo do passado:
Rua antiga, beco escuro, casa velha, nome morto
Ponte velha que não serve para atravessar o rio
Que não chega mais a ela porque foi assoreado.
A boca da Matrona recebeu dente implantado
Nos antigos alicerces das malocas anacrônicas
Levantaram edifícios que nada significam
Avatares possuídos por espíritos modernos
A fala de meu Burgo inovou a Flor do Lácio
A voz de minha Vila começou falar inglês
Fez do latim sagrado anacrônico jargão
E diluiu a língua, do tupi, no caldeirão
Leandro Costa
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