– Fabinho, venha cá i-me-dia-ta-mente! Coff, coff.
A voz ao interfone – fanhoso este, rouca aquela – acrescenta urgência às palavras. Daqui a dois dias, em 7/3/2020, a comitiva se deslocará para os Estados Unidos numa visita curta. “Isso não tem preço! Não perco essa viagem por nada neste mundo”, havia declarado o dono da voz. O ponto alto será, naturalmente, o jantar do séquito de brasileiros com Sua Ex.ª, no resort de Sua propriedade em Mar-a-Lago. E, bacana!, Fabinho se sentará ao lado do anfitrião!
– Um minutinho, chefe.
– Qual sílaba de “imediatamente” você não entendeu?
O subalterno chega em segundos. Esbaforido, carrega sua pasta de couro debaixo do braço, cheia de documentos para fora.
– Às ordens, meu capitão. É sobre aquela questão da veiculação de anúncios da campanha da Previdência nos sites russos, de fake news e do jogo do bicho? Posso explicar!
Coff, coff, o superior cruza os braços atrás da cabeça e estica as pernas sobre o tampo da mesa de jacarandá, onde há só duas folhas. A calça arregaçada mostra um volume por baixo da meia. Parece uma faca. Dá um sorriso complacente.
– Nada disso, Fabinho. Você está fazendo um “terrific job” no direcionamento da publicidade para o SBT e a Record. Aquela múmia do cabelo pintado e o bispo do Templo do Brás – como eles se chamam mesmo? – vivem telefonando para agradecer a mim e elogiar seu trabalho. Sobre os sites escabrosos, ninguém ficou sabendo. Deixa pra lá. Minha questão é outra.
– Sou todo ouvidos, chefe.
– Coff, coff, tenho aqui uma declaração, preparada pelo general, que você prestará oficialmente, três dias após nossa chegada da viagem aos EUA. Já está assinada, você sabe como se faz isso.
O subalterno pega o papel timbrado e lê: “Eu, Fabio de tal, declaro que, de acordo com laudo de meu médico, estou contaminado pelo coronavírus e, portanto, me afastarei do cargo para cumprir quarentena”. Aproveita e dá uma espiada no outro documento que está sobre a mesa. Identifica apenas um logotipo de hospital, carimbado com a palavra “POSITIVO”, em vermelho. Disfarça.
– Perfeitamente, meu capitão. O Brasil acima...
– Não enche o saco com essa baboseira. Como prêmio ao cumprimento desta missão, vamos aumentar a verba para sua secretaria, que você poderá usar como quiser. Mais uma coisa... coff, coff.
O superior limpa a mão na calça, abre a gaveta, pega seu três-oitão e o pousa sobre a mesa. Fabinho franze a testa e seu narizinho arrebitado.
– Esta conversa jamais existiu.
Fabinho e o superior se apertam as mãos.
[O autor declara que, provavelmente, esta é uma obra de ficção. Ridendo castigat mores]
Jorge Claudio Ribeiro
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