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Por trás das linhas inimigas

Atualizado: 1 de mai. de 2020


Guerra das Trincheiras

Entre tantos saberes e dizeres que se constroem como a artilharia para dar suporte à linha de front contra o Coronavírus, vulgo Covid-19, erguem-se várias trincheiras compostas por discursos profusos e difusos sobre o quê, o quando e o como. De que se trata, então, este “pandemônio” que nos cerca por todos os lados? Quando começou? Quando haverá cura? Quando termina esta saga que interrompe o cotidiano nosso de cada dia? Além disso, como nos armamos, defendemo-nos e superamos, sobrevivendo, às vidas fragilizadas, atacadas ou em suspensão?

A metáfora bélica não é despropositada, pois vivemos hoje uma guerra contra um organismo capaz de propagação ampla e sob formas de contágio ainda nebulosas. Incrementamos, pois, nosso arsenal de defesas externas (contra tudo que vem de fora) e internas (contra tudo que pode já ter entrado): luvas, álcool em gel, água sanitária, detergentes, sabão neutro, vitamina A, B, C, D etc, clorocarochinha, cloroblablablá, aerohiit, body combat, yoga, pilates, chá de erva-doce, chá matte, chá de bolinha verde da mata de não sei onde, bebidas quentes, gargarejos, papel higiênico, papel toalha, tecido tnt, máscaras para todos os gostos e com variadas proporções de proteção e agora com variadas estampas para espantar o estigma! Não paramos por aí, se a artilharia é pesada as táticas de entrincheiramento são resistentes e obstinadas, instituímos tácita ou forçosamente um toque de recolher geral, ou quase geral, em que protegemos as fragilidades dos nossos corpos no aconchego de nosso lar, solitários ou não. As paredes de nossas casas viraram nosso forte em meio à contaminação.

Descobrimos, ou melhor, reforçamos também a ideia de um ambiente virtual impenetrável, único local em que este vírus não faz efeito e no qual nossos corpos são indestrutíveis. Cercamo-nos assim cada vez mais de telas-vida, puras, limpas e, ainda assim e por isso mesmo, estamos todos mais expostos do que nunca. O inimigo nos acua, nos força a desacelerar, refletir, defender, nos tornamos persecutórios além do que já éramos. O inimigo está por toda parte, em toda parte e no aparte!

Não podemos negar, contudo, que possuímos, a despeito de nossos detratores contagiosos, armas de pequeno porte, mas que potencializadas por este mesmo ambiente virtual tornaram-se verdadeiros mísseis de longo alcance. Somos compelidos cada vez mais a criarmos estratégias sofisticadas e “memetizantes” de espantar o viço de morte que nos ronda de porta em porta. Entretenhamo-nos, pois! Diante de um vírus que nos tira o fôlego, recuperemos e superemos o arfar contínuo por meio do riso, da mensagem amiga encriptografada em emoticons, dos memes para toda e qualquer coisa, das lives, dos chats e meets que nos põem em movimento estático e tem nos mantido sãos durante as privações de guerra.

Em meio a toda estratégia de enfrentamento, precisamos falar ainda sobre os ataques autoimunes, ou seja, ainda necessitamos estocar energia para lidar com outros corpos estranhos, ou como se diz no front, maldito "fogo amigo". Segue, então, a lista dos já classificados pela OMS (Organização das Mentes Saudáveis): primeiramente, temos aqueles que se acham indestrutíveis por natureza (corpos super-imunes, atléticos e impenetráveis); há também aqueles que negam o próprio estado de sítio (corpos super arrogantes, delirantes); infelizmente, identificaram-se ainda aqueles que não tem como se paramentar (corpos invisíveis, expostos em demasia); e, por fim temporário, aqueles que estão no front (corpos humanos, operacionais, falíveis).

Que fazemos para proteger esses que não querem se proteger, os que não tem do que se proteger, os que carecem de todas as proteções e os que precisam se proteger enquanto protegem? Enquanto a cura não vem, continuamos na prerrogativa do entrincheiramento, pois esta é uma guerra em que nossos movimentos comprometem não só nossas posições seguras como toda a estratégia de defesa. Desse modo, as medidas se fazem salutar, protejamos os que precisam e querem, e isolemos, nos afastemos ou combatamos de um jeito ou de outro os que se uniram ao inimigo, servindo como corpos portadores e propagadores voluntária e levianamente.


Por Carine Mendes

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