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Uma relação pornográfica


Essa é a sinopse: Um homem e uma mulher se encontram para realizar uma fantasia sexual. O ponto de encontro é um café em Paris e logo após o cafezinho, um hotel.

A pornografia não está exatamente na fantasia que nunca sabemos qual é, tal como não sabemos os nomes das personagens que são tratadas apenas como Ela e Ele – referentes que se querem universais. A pornografia que a obra trata é sobre algo além do sexo, o amor? No mundo vitrine que rotula cada desejo e o vende para quem puder comprar, a única relação verdadeiramente pornográfica parece ser essa, amar.

O que mais poderia ser dito sobre esse filme? Uma relação pornográfica faz confirmar também no cinema, a tese do psicanalista francês Jacques Lacan (1973), quando diz que não há relação sexual. Diferente do leão que sabe muito bem encontrar o seu objeto de satisfação sexual que está em uma leoa e vice-versa, nós seres humanos nos lançamos na aventura do desejo a partir da ausência de um objeto total que, quando miticamente encontrado, formaria seres totais, completos e plenos como nunca fomos, mas gostaríamos.

Portanto, nunca se transa com um homem ou com uma mulher, mas com uma parte bem específica nesses seres que acabam provocando o nosso desejo. Não à toa, só a espécie humana é capaz de ter tesão por determinado timbre de voz, pelo brilho encontrado em um olhar, por palavras ditas, por sapatos, tecidos, máscaras e tantos outros objetos visíveis ou não, há quem inclusive se apaixone por um jeito muito específico de andar em tal pessoa que caminha com seu doce balanço a caminho do mar.

No filme, Ele nunca transa com Ela assim como Ela nunca transa com Ele, eles estão em um monólogo que através da fantasia nos transmite a sensação de diálogo, mas quando qualquer possibilidade de encontro se abre, ou seja, com o fim do ato sexual, cada um pega o rumo de casa e ambos fingem que nunca se viram antes. Afinal, quando começa a pornografia então?

Logo no início do filme sabemos que ambos estão em processo de análise. Com tanto ritual e combinações prévias feitas por ambos, traduzidas em “estamos aqui nesse café apenas para irmos ao hotel e realizar tal fantasia, portanto, não diga nada como o seu nome, onde mora, profissão, família etc.”, com tudo devidamente combinado assim, o que aconteceu para gerar o desejo de serem analisados? A partir do momento que Ele e Ela firmaram contrato para excluir o imprevisível de suas vidas e não mais contavam com a possibilidade de serem surpreendidos. Quando estavam, como diria Clarice, distraídos, algo mais real que a própria realidade, chegou.

O imprevisível entra na forma de um acidente, um corte, um romper do ritual. Um senhor que frequentava o mesmo hotel dos protagonistas passa mal e eles vão ter que se a ver com o desvio de rota, ajudar esse senhor significa uma quebra do mundo protegido que eles inventaram. Queiram ou não, há o mundo e seus barulhos, ambulâncias e hospitais e dentro de tudo isso, uma possibilidade de encontro. É aí que o bicho pega.

Como dizer para Ela que, justamente quando estou vestido é que me encontro nu? Ao tentar achar palavras para falar do meu desejo, Ela me olha de tal jeito que... Serei rejeitado? Como dizer para Ele sobre minha paixão, caso acredite que Ele apenas quer trepar como um leão? Será que Ele irá me achar ridícula?

Quando ambos questionam sobre qual é o lugar deles no desejo, quando a fantasia desmorona, quando ambos se perguntam sobre “o que você quer dizer quando me diz isso?”, eis que o não saber entra em cena e Ele-Ela tentam tecer palavras para contornar o vazio e quem sabe, fazer do impossível o amor.

Por Vandia Leal

Referências:

(1973). O aturdito. In: LACAN, J. Outros escritos. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. p. 448-497.

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