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E assim aparece o A




Cinco dedos o retiram do repouso à mesa. São quatro os dedos que o envolvem mais o polegar, que pressiona a cabeça. É uma mão que ainda não sabe o elegante movimento de apoiá-lo em três dedos levemente inclinados. Mão xereta, não está preocupada com a elegância.

A professora ajeita os dedinhos no trejeito considerado correto. A mão começa a pressionar o grafite no papel e logo o lápis se ajeita nos dedos em posição intermediária entre a primeira e a segunda. Mas não importa. Colocada um pouco acima da linha, a ponta sobe em ligeira curva, para antes que desça completando a montanha, desce pelo caminho que veio, mas no meio dele, desvia, tangencia para um círculo que se fecha na ponta da linha deixada sozinha em cima e segue, como a terminar o desenho da montanha. E assim aparece o “A”.

Freando o traçado do segundo, a ponta meio solta e agora livre da pressão do papel, cai. A mão busca o apontador no estojo, o braço esbarra no lápis, que rola até o chão. Os dedos da esquerda seguram o apontador, os da direita se apoiam no solo. Com o braço esquerdo em voo de equilíbrio, os dedos direitos trazem braço, antebraço, ombro e cabeça para procurar sob a carteira o objeto hiperativo.

Recuperado, a madeira roda e roda e se descasca submetida ao algoz afiado, disfarçado de mero objeto de papelaria.

Com o grafite novamente descoberto, a saga cursiva continua. Logo, vários “As” heterogêneos cobrem a folha, e como a professora demora para vir aprovar, o lápis vai à boca e é fortemente marcado por dentes de leite incisivos.


Melissa Suárez

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